América Futebol Clube

América Futebol Clube - São José do Rio Preto

 
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A epopéia de Itápolis
quarta-feira, 22 de maio de 2013
 
 

Naquele domingo chuvoso em Botucatu, cidade onde eu residia com minha família, o convite feito pelo meu amigo Benê e sua esposa Thaís para que fôssemos à sua casa participar de um churrasco, junto de mais um casal de amigos em comum, caía sobre mim como um sopro de alívio.  Aquele domingo prometia ser terrível para mim e eu precisava me distrair.  Era a última rodada do Campeonato Paulista da série A2 do ano de 2008 (equivalente à segunda divisão de São Paulo).

Detalhes do roteiro:

1) O América precisaria vencer o Oeste de Itápolis na casa do adversário;

2) Apesar de desfalcado, o time do Oeste era muito melhor que o do América.  Inclusive, já estava classificado à próxima fase da A2 daquele ano;

3) A vitória pura e simples do América poderia não servir. Ou seja, dependíamos também de uma combinação de resultados para não sermos rebaixados à série A3;

4) Seria o segundo rebaixamento consecutivo da agremiação (algo inimaginável mesmo na mente do mais pessimista torcedor americano de dez, vinte anos atrás).

A cicatriz decorrente da queda de divisão um ano antes ainda estava aberta..  e doía..  Sofrer de novo tudo aquilo? Nem me ocorreu ir até Itápolis, sendo muito sincero. Só de pensar que estaria reunido com meus amigos de Botucatu, batendo papo e, se possível, deixando de lado toda essa penúria, eu conseguia até esboçar um sorriso.

Chegando à casa do Benê, como sempre fazia, já fui tratando de descarregar as latas de cerveja geladas que eu havia levado para o domingão na caixa de isopor que ele, estrategicamente, deixava debaixo da pia, ao lado da sua churrasqueira.  Ele e meu outro amigo, Rodrigo “Barão”, dois palmeirenses natos e que estavam cientes do meu drama, nem se atreveram a me perguntar nada sobre a partida que começaria horas depois. Havia uma espécie de “lei velada” estampada na minha testa: “Proibido falar do América!”. 

Tudo corria muito bem até que, precisamente à uma da tarde, o meu celular tocou.  Do outro lado da linha estava meu primo Marcelo.  E, tal como havia feito durante a semana inteira, me intima:

- Você não vai mesmo, primo? Estamos saindo de Rio Preto agora. Pega o seu carro e vai, poxa! Se você não for, vai dar azar! Estamos em quatro aqui no meu carro!

Pronto, chacoalhou tudo dentro da minha cabeça...

- Você está indo mesmo, Marcelo? Quem está com você? Você sabe onde é o estádio do Oeste?

As respostas para aquelas perguntas pouco me importavam. Era como se eu estivesse ganhando um tempo para pensar. O que importava é que eles estavam indo acompanhar o América. E quando desliguei o celular, notei que todos no churrasco estavam olhando pra mim.

Minha esposa se aproximou com a minha filhinha de um ano no colo e, com a paciência que ela sempre demonstrou quando o assunto era América, falou:

- Por que você não vai? Pode ir... Eu e a Ellen estamos bem acompanhadas. Não precisa se preocupar. Só prometa que não vai correr na estrada, beber, nem se meter em confusão!

O planeta Júpiter que repousava em um dos meus ombros simplesmente se dissipou. “Meio caminho andado”. Porém, por uma questão de educação e consideração, me dirigi ao anfitrião sobre a possibilidade de abandonar o evento pela metade. Nem terminei a frase e o Benê falou:

- Nem esquente a cabeça! Vai tranqüilo! – me disse com uma mão no meu ombro, como se arrancasse um outro planeta, talvez Saturno, que ainda ali teimava em me incomodar.

Quinze minutos depois da ligação do Marcelo eu já estava na Rodovia Marechal Rondon, iniciando a jornada de 170 quilômetros rumo a Itápolis...

Cheguei às 14h45. A cidade de Itápolis é pequena e não foi difícil avistar o estádio lá da rodovia. Chegando na casa do Oeste, notei que, além de minúsculo, o estádio ainda estava fechado. Parei meu carro próximo a uma das entradas. Numa pequena praça antes das bilheterias, notei um grupo absolutamente pacífico de velhinhos jogando damas e baralho debaixo de uma árvore, cada um deles se espremendo para aproveitar a sombra não tão frondosa. Perguntei sobre o jogo para um deles e sobre o porquê de os portões ainda estarem fechados. 

- Meu filho, o jogo é às quatro da tarde... Não são nem três horas... – a adrenalina era tanta que nem me importei de ter chegado tão cedo. Como minha intenção inicial não era a de viajar para ver o jogo e como o rebaixamento do América era quase irremediável, na semana que antecedeu à partida me mantive afastado das informações que diziam respeito a ela – inclusive sobre o horário do início da peleja...

Sem problemas... Aproveitei o tempo livre e fui dar uma volta ao redor do estádio. Já havia visto diversos estádios dos mais diversos tamanhos, mas aquele era o menor: ele sequer ocupava o quarteirão inteiro onde estava localizado. Havia casas circundando-o em três dos seus quatro lados. Quem estava nas arquibancadas podia ver tranqüilamente o que se passava no quintal das casas que eram vizinhas dele.  Privacidade zero em dias de jogos para aqueles que ali morassem. 

Terminando a volta no quarteirão, vi um portão do estádio aberto. Resolvi entrar para dar uma espiada no que estava acontecendo do lado de dentro. Um funcionário do clube dava os últimos retoques na demarcação das linhas do gramado. Como o portão ali estava escancarado, bem como o do setor das arquibancadas cobertas, me aproximei do senhorzinho e perguntei:

- Tio, o jogo de hoje será com portões abertos?

Ele interrompeu o trabalho:

- Não, filho...  Vai cobrar ingresso, sim!

Falei “obrigado”, saí de mansinho e subi na arquibancada de madeira e lá fiquei por uns quinze minutos, fitando o estádio para esperar o tempo passar. Enquanto olhava os detalhes do estádio, eu não conseguia acreditar que a Federação Paulista de Futebol, normalmente tão exigente, liberara um estádio com arquibancadas naquelas condições para jogos oficiais. Só o setor das arquibancadas cobertas era de alvenaria. Nada contra o Oeste de Itápolis, muito pelo contrário: fiquei muito triste quando o clube foi rebaixado a fórceps numa decisão (no mínimo, duvidosa) da FPF em um Paulistão anos antes sob a alegação de ter escalado atletas com documentação irregular. Mas é fato que muitos times tiveram que se mobilizar para melhorar as condições de seus estádios quando conseguiram o acesso à primeira divisão do futebol paulista.

 

Vista geral do Estádio Municipal dos Amaros (arquivo pessoal ESF)

 

Enquanto eu me recostava no último degrau da arquibancada para ter uma vista legal de Itápolis e bater umas fotos de recordação, noto, para meu desespero, que um caminhão do tipo “trio elétrico” estava entrando pelo portão onde eu havia entrado. O trambolho seria utilizado para a execução do Hino Nacional. Não bastasse ele fechar todo o corredor, deu pra ver que o portão de acesso atrás dele estava sendo devidamente trancado. Resumo da ópera: fiquei ali dentro e nem paguei ingresso.

 

Detalhe do trio elétrico que “fechou”a minha saída (arquivo pessoal ESF)

 

Permaneci onde estava, era atrás de um dos gols. E eis que vejo o pessoal de São José do Rio Preto entrando no estádio. Traziam nossa bandeira e mais alguns abnegados que também se dispuseram a torcer pela vitória do América. 

Quando me viram já gritaram:

- Olha lá o Evandro!

- Vem pra cá, poxa! Vamos assistir o jogo daqui do centro da arquibancada!

Foi quando vi que não havia acesso do setor onde eu estava para aquele onde o pessoal de São José do Rio Preto estava localizado. Um muro alto, com arames farpados enferrujados, separava os setores. Olhei ao meu redor buscando uma alternativa para chegar até eles. Nem pensar viajar aquilo tudo e assistir ao jogo longe daqueles sujeitos. Eis que, quando olho para o gramado, vejo o senhorzinho que estava pintando o gramado saindo por um portão que dava acesso do gramado às arquibancadas cobertas, empunhando sua lata de tinta.  Nesse exato momento, entra em campo o time do Oeste. Tomei uma atitude meio kamikaze: corri para o portão, entrei no gramado, atravessei o campo de lateral a lateral e cheguei onde estavam. Do lado onde estava nosso grupo, abri um outro portão que dava acesso do gramado à arquibancada e, enfim, juntei-me à horda de camisas vermelhas.

Enquanto cumprimentava o pessoal, o povo rachava o bico de dar risada d’eu atravessar o gramado com o time do Oeste entrando em campo. Nãoprecisou muito para que um iluminado desse a idéia:

- Vamos bater uma foto da nossa torcida de dentro do gramado?

Nem precisaram perguntar de novo. Dei um pinote, abri o portão e, com umas duas máquinas digitais na mão, bati fotos do nosso pessoal de dentro do campo.  Eis que noto uma mão sobre meu ombro.  Era um fiscal da Federação Paulista de Futebol. Com a maior “cara de sexta-feira” do mundo, daquelas tipo “como eu queria estar em casa”, ele solta a pérola:

- Ó, fiu... Sai do campo... Não pode bater fota daqui, não, infeliz!

 O receio de tomar uma bronca mastodôntica se transformou numa gargalhada de um ou dois minutos. Não tinha como não rachar o bico com o jeitão do pobre fiscal. Saí, obviamente, mesmo sem conseguir disfarçar a gargalhada.  Agradeci a atenção do sujeito e fui pra arquibancada.

 

 Uma das fotos que bati de dentro do gramado: apesar de poucos, a devoção desse pessoal é incomparável (arquivo pessoal ESF)

 

Eis que começa o jogo. Cheguei em Itápolis com sol. Estava calor mesmo. Em minutos, o tempo fechou. O céu ficou cor de chumbo. No campo, como já era esperado, a ducha veio antes: por volta dos 20 minutos do primeiro tempo, o Oeste fez 1x0. Silêncio sepulcral no nosso grupo. Do lado da torcida do Oeste, ecoavam os gritos de “ão, ão, ão, terceira divisão”. Meu estômago retorceu como se minha mãe o estivesse usando como pano de chão para limpar o chão da cozinha. 

Alguns desceram para o alambrado para dar um “esfrega” nos nossos jogadores. Outros não tinham forças nem ânimo nem pra isso. E, como um presente dos deuses do futebol, quatro minutos depois do gol do time da casa, o zagueirão do Oeste, que era um açougueiro de chuteiras, levantou nosso jogador, Cristiano, dentro da área. Pênalti. Que beleza. Para quem achava que o gol do Oeste seria “a abertura da porteira” para uma goleada, empatar o jogo naquele momento era tudo o que queríamos. Nosso centroavante, porém, fora contratado por alguma entidade maléfica para testar nosso sistema nervoso: cobrou o pênalti como se estivesse indo defecar num banheiro de rodoviária e jogou a bola na trave. Os sentimentos se misturavam. Porque, ao mesmo tempo em que xingávamos toda a árvore genealógica do atacante Eder, o juiz mandava voltar a cobrança porque o goleiro do Oeste tinha se adiantado. Aliviados, optamos por dar uma força ao nosso centroavante que errara a cobrança anterior:

- Se você errar esse pênalti de novo, maldito, a gente te encontra nem que seja no inferno!

Ele não errou. 1x1. Havia tanto a ser feito, que comemoramos o nosso gol todos de maneira contida. Eis que, minutos depois do gol, o céu cor de chumbo ficou branco...e caiu um temporal de proporções bíblicas sobre todos ali presentes. Daqueles que nem a cueca se salva. Por sorte, empatamos o jogo antes do temporal, porque o gramado ficou bem encharcado. O Oeste perdeu mais alguns gols. Nem chegamos perto de fazer o segundo. E, tirando as toneladas de unhas que roíamos, nada de mais relevante aconteceu até o término daquele primeiro tempo.

Chegado o intervalo, a adrenalina abaixou e, encharcados, começamos a sentir um frio violento naquela chuva fina que insistia em cair. Fomos todos procurar algum lugar seco para torcer camisetas, meias etc. O único lugar disponível era o banheiro que existia naquele setor. E banheiro de estádio de futebol é aquela água: cheiro de urina e sujeira a perder de vista. Naquele momento, esses detalhes eram plenamente toleráveis, visto que o lugar, ao menos, não permitia que o vento que começara a soprar cortasse nosso couro.

Eis que, instintivamente, cada um dos camaradas que possuía telefone celular, começou a ligar para outros torcedores para ver como estavam os outros resultados dos quais o América dependia. Infelizmente, a notícia não era boa: o Bandeirante de Birigui estava ganhando da Ferroviária e o Comercial estava empatando com o XV de Jaú. O Olímpia estava tomando um esfrega do Rio Branco e estava virtualmente rebaixado (só não cairia se um milagre acontecesse). Ou seja, precisávamos virar aquele jogo e torcer para Bandeirante e Comercial, no máximo, empatarem.   

Para algum incauto, a sucessão de desgraças daquela tarde de domingo poderia parecer um calvário. E era mesmo. Só que, para nós, não havia novidade alguma: a vida inteira foi assim. Ou seja, “calejado” não define muito bem aquilo que somos.

No segundo tempo, como projetávamos, foi aquela agonia. Torcer para um time com elenco ruim é uma desgraça. Torcer para um time com elenco ruim, jogando em um gramado impraticável, era torturante. Metade do nosso pessoal estava com o ouvido em um celular (do outro lado, alguém estava ouvindo os jogos da rodada e repassando as informações para a gente). A outra metade torcia e gritava, buscando ânimo, sabe-se lá Deus onde, para incentivar nossos jogadores.

Aos 30 minutos do 2º tempo, recomeça o martírio de ter que ouvir os torcedores do Oeste gritarem "ão, ão, ão, terceira divisão!" Poxa, parecia um pesadelo: ver o América, o nosso grande América, passar por aquela situação, era intolerável.  Ficamos derrubados mesmo.  Entre o nosso pessoal, uns ficavam lembrando que tínhamos um dos maiores estádios do Brasil. Outros lembravam de jogos épicos que o nosso clube fez contra os grandes clubes da capital paulista. A intenção de trazer essas lembranças, justamente naquele momento, era para, de alguma maneira, ter algum tipo de conforto. Mas o efeito era contrário: machucava lembrar o quão grande era nossa agremiação.

No meio daquele contexto catastrófico, vivenciei uma das cenas mais engraçadas da minha vida. Com frio e com fome, comecei a falar pro meu primo:

-  Cara, acho que eu tô delirando... Você está sentindo cheiro de bolinho de chuva?

- Lógico. Olha ali – indicou com a cabeça, pois os braços estavam pra trás, encolhidos, procurando conseguir aquecer as mãos. 

Ao virar a cabeça, a cena era dantesca: uma daquelas casas que fazia fundo com o estádio, tinha um imenso pomar. O dono da casa, provavelmente um amante de futebol, construiu um palanque de madeira. Uma espécie de camarote do terceiro mundo. Sobre o palanque, coberto com telhas tipo Eternite, estavam três garotos. Tinham pouco mais de 12 anos. Todos sentados e aquecidos por um cobertor.  No colo do garoto que estava no meio dos três havia uma bacia enorme repleta de bolinhos de chuva. Quando me dei por mim, estava rindo. Uma parte da nossa torcida começou a pedir uns bolinhos para os garotos. Eles riam e negavam, acenando com a cabeça. O humor de todos melhorou automaticamente. E a epopeia da qual participávamos chegou ao seu último capítulo.

A primeira boa notícia: o segundo dos três resultados que precisariam acontecer para que o América não caísse com aquele empate finalmente acontecia: o Bandeirante havia cedido o empate à Ferroviária.

Aos 40 minutos, o êxtase: nosso jogador acertou um bom chute de fora da área. O goleiro bateu roupa. Levantou, correu atrás da bola, se jogou e deu um tapa nela, tirando-a dos pés do primeiro atacante do América que se apresentara no lance. A bola sobrou na grande área, na altura do pênalti, sozinha... Isso tudo aconteceu em centésimos de segundo. Nesse mesmo momento, vejo dois jogadores do América correndo em direção da bola de maneira desatada.

- Minha Nossa Senhora, ele vão se estropiar um no outro e não vão conseguir a chutar a bola!, pensei.

Por Deus, o Éder, o mesmo do primeiro gol, chegou antes, chutou forte e fez nosso segundo gol.

Não dá para descrever com precisão o que se sucedeu àquele gol: eu desci correndo pela arquibancada de madeira, toda molhada e escorregadia, e me joguei no alambrado. Escalei aquele troço como se fosse a coisa mais natural do mundo. Dependurado lá e desafogando tudo aquilo que havíamos passado naqueles quase noventa minutos, fui notar, só depois, que quase todos os nossos jogadores também escalaram o mesmo alambrado para comemorar conosco. Juro que vi um ou dois jogadores. Mas o pessoal disse que vários me abraçaram. Eu não lembro. De uma coisa eu me lembro: na hora que escalei o alambrado, sem notar, coloquei minhas mãos sobre o arame farpado ali instalado. A adrenalina expelida naquele momento obstruiu qualquer sensação de dor. Só fui notar esse detalhe quando senti um líquido quente correndo pelas minhas mãos: era sangue. Lógico que eu me vinguei dos gritos de “ão, ão, ão, terceira divisão” proferidos pela torcida local.

Quando a alegria é muita, o tempo passa rápido. O jogo terminou. Não caímos. Os jogadores vieram bater palmas para a gente, como que reconhecendo nosso calvário em acompanhá-los. Agradecemos a todos eles. Eram ruins como uma dor de dente, mas jogaram com vontade.

Também nos abraçamos. O sentimento naquele momento, um misto de alegria e alívio, era único. Esperamos por um tempo até que a torcida do Oeste saísse. Em seguida, deixamos o estádio. O sorriso no rosto de cada um de nós era indisfarçável. É difícil de entender por que nos sujeitamos a isso, não é? Não esquente a cabeça. Minha esposa, que está comigo há anos, ao me ver chegar em casa molhado igual a um pato, com as mãos todas moídas de tantos machucados, com a rinite alérgica atacada, porém, rindo pelos cotovelos e falando “se arruma que a gente vai jantar fora”, também não entendeu até hoje. E nem vai.

                                                                                                   A saudação de um time guerreiro (autor desconhecido)

 

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