Manhã de domingo fria e com garoa em São José do Rio Preto. 8h20 da manhã e lá vou eu colocar a minha camisa do América para ir para o estádio. Dia de jogo contra o líder da nossa chave, o Grêmio Prudente. Em um pulo, mesmo sonolenta, minha filha se joga da cama e me aborda:
"Hoje eu posso ir com você, né?".
Seu nome é Ellen. Ela tem 8 anos. Poderia ficar em casa, brincar com a irmã, com os avós, com a mãe, com os tios. Mas não. Lá foi ela colocar sua camisetinha do Mecão, colocar sua blusa, escovar os dentes e ficar na porta da sala me esperando. Seria sua primeira partida do América vista lá no nosso estádio. Ela repetiu basicamente os mesmos passos tal como fiz há exatos 36 anos quando fui ver meu primeiro jogo no velho estádio Mário Alves Mendonça junto com meu velho pai. A diferença: naquela época, o América estava na primeira divisão do Paulistão. O jogo seria contra a Ponte Preta. Naquela partida, eu e meu velho nos esprememos no meio de outros 10 mil americanos no velho estádio Mário Alves Mendonça. Esse problema, eu e minha filha não tivemos. Foi tranquilo adentrar no nosso velho gigante de concreto, o "Teixeirão", que naquela cinzenta manhã de domingo, recebeu parcos 60 abnegados torcedores. Quarta divisão do Paulista. Eu estou nessa pelo meu América até o fim. Agora, não vou mentir para vocês: foi muito foda ver minha filha querendo entrar nessa comigo.
Talvez toda essa jornada tenha algum viés espiritual. Os jogadores do América jogaram uma partida irrepreensível sob o ponto de vista da garra, da vontade, da entrega. O time de Presidente Prudente era muito bom, com toques rápidos e muita qualidade técnica, tudo isso demonstrado mesmo no gramado mal cuidado do nosso estádio. Ainda assim, não resistiram à vontade dos nossos jogadores. Resultado: América 2x1. Saímos os dois, eu e minha pimpolha, muito felizes de campo. Muito mesmo. Prontos para voltar à dura realidade. Aquela onde meu velho pai, em coma em um quarto de UTI, luta pela sua vida após um terrível AVC hemorrágico há duas semanas. Na visita que fiz a ele naquele mesmo dia, a mesma que faço quase que diariamente, me aproximei de um de seus ouvidos e o informei: "Pai, ganhamos! 2x1! E, adivinha: a Ellen foi!". Eu sei que ele ouviu isso. Mesmo triste com a situação do América, talvez um sopro de felicidade tenha aquecido seu espírito ao notar que a neta estava disposta a percorrer o mesmo caminho que eu e ele percorremos. Que venham novos tempos. Para o meu pai, para o meu América, para o nosso futebol. Porque o verdadeiro amor por um time, esse jamais será leiloado.
A pequena Ellen no meio dos apaixonados torcedores que ainda acompanham o grande América
Jogadores rezando no centro do gramado após o final da partida