América Futebol Clube

América Futebol Clube - São José do Rio Preto

 
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Colecionadores de camisas do América - reportagem 1
sábado, 12 de maio de 2018
 
 

Ele tem quarenta e seis anos e, desde os doze, decidiu começar a guardar as poucas camisas do América que conseguia à época. Evandro Freire, casado e pai de duas lindas meninas, mantém o hábito até hoje, mesmo com todas as dificuldades.  "Sabe-se lá Deus porque, as camisas ficaram mais inflacionadas, mesmo o América estando na situação em que está.  E também ficaram mais difíceis de serem encontradas, o que também é compreensível.  Mas, de vez em quando, com a ajuda de amigos e uma pitada de sorte, a gente sempre compra uma ou outra camisa por aí que faltava na coleção".  

Conheça um pouco mais da sua história...

 

 

 

CIDADE CLUBE: Quando você decidiu que seria um colecionador?

EVANDRO: Não existiu um "dia zero" para essa decisão.  Foi algo bem natural.  As camisas de times de futebol exerciam um grande fascínio na molecada da minha época.  E as do América faziam o mesmo comigo.  Talvez a "fagulha" dessa coleção tenha sido quando ganhei uma camisa da temporada de 1985.  Ela era inteirinha vermelha, bem tradicional, e de nylon, algo "moderno" para a época.  Aquela camisa era linda demais.  O América estava muito, muito bem naquele campeonato paulista e, como você pode imaginar, fui em todos os jogos em casa no antigo estádio Mário Alves Mendonça.  O problema é que a arquibancada do nosso estádio era bem rústica, um concreto armado bem áspero e mal acabado, e eu destruí aquela camisa torcendo pelo Mecão naquelas partidas.  A camisa ficou em frangalhos.  E isso despertou o espírito de colecionador em mim.  Prometi que nunca mais perderia uma camisa tão linda como aquela.  E assim foi...

CIDADE CLUBE: Conseguiu guardar alguma camisa das temporadas seguintes, conforme você jurou?

EVANDRO: Não (risos).  Continuei usando as camisas "até gastar".  A primeira que consegui guardar foi a da temporada 1991 do Paulistão, com patrocínio da CCS.  Ela tinha um design audacioso para a época.  Os tradicionalistas a odiavam.  Chamavam-na de "roupa de circo".  Essa, eu usei umas trinta vezes e depois guardei.  Foi a camisa que, digamos, iniciou a minha coleção.  Foi um presente de um amigo da faculdade (grande Cindeco!) a quem sou grato até hoje.  

 

CIDADE CLUBE: Você tem ideia de quantas camisas tem na coleção?

EVANDRO: Uma estimativa, eu tenho (risos).  Por mais que eu as limpe e guarde com muito carinho, ainda nunca parei para contar e catalogar.  Tenho algo em torno de setenta camisas oficiais do América.  Mais umas trinta camisas comemorativas, de treino, de comissão técnica, etc.  As que me atraem são as oficiais mesmo, aquelas usadas no jogo, mas se encontro alguma outra que seja bonita e tenha um preço legal, não tem como resistir.  Tenho também camisas de outros "Américas" do Brasil, do exterior, camisas das torcidas organizadas que o América já teve e tem...  e assim vai.  

          

 

CIDADE CLUBE: Gostar tanto assim da camisa do América já te deu algum problema?

EVANDRO: Já, mas nada muito grave.  Tendo bom senso e "demarcando bem o seu território" quanto a essa paixão pelo clube, não há porque ter algum stress.  Lógico que uso com frequência as camisas do América que tenho (não as da coleção!), mas nunca fui daqueles que, por exemplo, foi no aniversário da namorada usando uma camisa de time.  Esse tipo de pataquada gera briga na certa.  Obviamente, como toda mãe que se preze, a minha implicou muito comigo, tanto por usar como por guardar as camisas do Mecão.  Mas ela já desistiu de lutar contra isso há muitos anos atrás.  Inclusive, minha coleção está na casa dela porque ela é muito grande e não dá para levar comigo para onde moro, visto que estou fora de São José do Rio Preto há duas décadas.  Se eu quisesse levar minha coleção comigo, eu seria despejado de casa pela minha esposa.  Ou seja, colecionar camisas de futebol é uma "faixa de Gaza" em permanente clima de tensão, principalmente para os colecionadores que são casados.   Mas, com diplomacia, a gente vai levando... (risos). 

Parte da coleção (foto: acervo particular)


CIDADE CLUBE: Qual foi a camisa que te deu mais trabalho para conseguir?

EVANDRO: essa é fácil: a camisa branca (uniforme 2) de 2005, da marca Wilson.  Foi uma verdadeira peregrinação de site em site, por comunidades no orkut e facebook, trocando ideias com alguns contatos...  Quem acabou me ajudando a conseguir a peça foi um amigo: o Luiz Henrique Folchine, também um ávido colecionador de camisas do América, com uma coleção  muito mais linda do que a minha.  Também sou muito grato a ele por isso.  Era tão difícil conseguir essa camisa que, inclusive, tive que sair mais cedo de um jogo do América contra o Guarani no Teixeirão pelo Campeonato Paulista de 2010 para tentar chegar em casa correndo e tentar dar um último lance num leilão com esse exemplar que estava acontecendo no site do Mercado Livre.  Fiz isso porque o leilão da dita camisa terminaria poucos minutos depois do encerramento daquela partida.  Não deu tempo...  e o América ainda perdeu aquele jogo.  Ou seja, deu tudo errado naquele dia (risos).  Quando consegui essa camisa, fiquei verdadeiramente feliz, porque é linda demais.  Foi direto para a coleção.  Nunca a usei! 

CIDADE CLUBE: E aquela camisa pela qual você tem um carinho especial?

EVANDRO: Vale dizer "todas"?

CIDADE CLUBE: É claro que não! (risos)

EVANDRO: É...  eu imaginei.  Mas vamos lá: eu escolheria a camisa que meu pai pendurou na porta do quarto da maternidade quando nasci.  É uma camisetinha bem simples do América.  Inclusive, nem é o símbolo oficial do Rubro que está nela.  Mas ela tem toda uma áurea que é, para mim, maravilhosa.  Ela carrega o amor que meu pai tinha pelo clube, projetava a paixão que ele queria que eu tivesse pelo clube, bem como, mostrava para todo mundo, ali no dia do meu nascimento, que naquele quarto estava o filho de um pai que, como ele, não torceria para time nenhum da capital.  Isso para mim é muito forte, porque transcende o futebol.  Mas é um papo para outro dia e hora...  O engraçado é que o tiro dado pelo meu pai saiu pela culatra.  Ele queria que eu fosse americano...  O problema é que eu fiquei "americano demais" (risos).  Ele tinha muito medo que essa paixão desvairada atrapalhasse minha vida.  Nunca atrapalhou, mas tivemos algumas rusgas porque, como você pode imaginar, fiz algumas loucuras por causa desse time.  

A primeira camisa (foto: acervo particular)

 

CIDADE CLUBE: Conta algumas para nós...

EVANDRO: Nada muito grave...  Algo como viajar quatrocentos quilômetros só para ver uma partida do América, tendo que trabalhar no outro dia.  Ficar trabalhando na minha coleção de material do América ou no site que ajudo a fazer por horas e horas em um feriado qualquer.  Nunca deixei essa devoção pelo clube se colocar à frente dos assuntos da minha vida pessoal ou profissional, mas sacrifiquei, sim, vários dias de folga com esse hobby, que sempre foi incompreensível para muitas pessoas, inclusive para o meu pai. 

CIDADE CLUBE: Ele era um torcedor muito devotado ao América também, certo?

EVANDRO: Sem dúvida.  Meu velho sempre foi uma referência para mim em todas os sentidos.  Herói mesmo.  Inclusive nessa questão de torcedor...  Pô, ele morava numa área rural de Bady Bassitt, cidade próxima de São José do Rio Preto.  Você não tem ideia da via sacra que ele tinha que fazer, lá na década de sessenta, para vir assistir a um jogo do América no Mário Alves Mendonça.  Ele vinha de cavalo até a antiga região conhecida como "Quarenta e Oito Casas" (uma periferia bem distante da área central de São José do Rio Preto) onde morava uma de suas irmãs (não, por acaso, minha madrinha de batismo), deixava o cavalo lá e ia a pé para o estádio Mário Alves Mendonça, porque o dinheiro era contado para o ingresso e nada mais.  Agora, você imagina um jogo contra o Santos do Pelé, em um domingo à tarde.  Ele tinha que sair de casa às oito da manhã!  Porque, horas antes do início da partida, o velho M.A.M. já estava apinhado de gente.  E havia ainda o caminho de volta para casa.  Ou seja, não há palavras para descrever esse tipo de entrega a um clube.  Inclusive, eu brincava com ele: "Pô, pai...  perto do que você fazia, o que eu faço não é nada.  E você fica aí me enchendo o saco?" (risos).  Meu grande arrependimento nessa vida foi não ter explorado mais meu pai nessa questão dele me contar mais dessas histórias.  Eu tentei, mas não fui bem sucedido.  Ele era um homem simples, de poucas palavras.  No meu íntimo, acho que ele não me contava essas histórias para não me dar ainda mais fôlego para fazer minhas loucuras pelo América.   

CIDADE CLUBE: Como era a relação dele com o América nessa fase tão negra do clube?

EVANDRO: Não existia mais relação.  Meu pai perdeu totalmente o gosto pela agremiação, como tantos outros torcedores apaixonados pelo clube.  Era profundamente dolorido para ele ver o América nas condições em que ele estava e está.  Quando ele faleceu, em 2015, ele já não ia ao estádio Teixeirão há uns três anos.  Isso é algo que eu nunca vou perdoar, nem no meu leito de morte: o mal que todos esses "dirigentes" fizeram com o América e com torcedores como o meu pai.  Porque, após a saída do Sr. Benedito Teixeira, com exceção do saudoso presidente Edmar, todos mataram um pouco o América.  Eu tenho profunda repugnância por todos eles.  Não há amor ali.  Nunca houve.  Só há interesses impuros.  Eu nem vou me prolongar mais, porque o que eu teria para dizer é algo muito pesado.  Deixemos isso de lado. 

CIDADE CLUBE: Voltando a falar da sua coleção: você consegue imaginar com quem ela ficará no futuro?

EVANDRO: Ideias e projetos, eu tenho muitos.  Um memorial ao clube dentro do Teixeirão seria o mais legal de todos.  Um negócio completo mesmo, com as taças conquistadas pelo clube, minhas camisas, reportagens de época, uma projeção de gols do Rubro em todos os arredores desse memorial...  Poxa vida, só de imaginar, eu fico arrepiado.  O problema é que o futebol virou negócio há muito tempo.  Em clubes pequenos, tais como o América, onde a participação externa de seus torcedores dentro do clube é mínima, como garantir que um projeto dessa magnitude se perpetue?  Ou seja, quem garante que um dirigente ou presidente que assuma o clube no futuro pegue um acervo dessa grandeza e, sei lá, venda tudo?  Não dá pra confiar nessa escória.  Mas se não houvesse esperança, eu nem estaria mais aqui... Deposito fé também nas minhas filhas.  Uma delas, inclusive, já é americana também, mesmo tendo só onze anos.  Antes que alguém me culpe, já aviso que foi algo espontâneo.  Não forcei ela a isso....  Tá, só forcei um pouco (rsssss).  Ela me ajuda a arrumar a coleção e, com o tempo, quem sabe ela não encabece algo que me ajude a preservar essa parte da história do nosso América?  

Evandro e a filha Ellen no estádio Teixeirão (foto: acervo particular)


CIDADE CLUBE: Qual é a camisa mais feia do América que você tem na coleção?

EVANDRO: Olha, deixando a paixão de lado, a camisa da temporada 2017, por exemplo, é terrível: o vermelho da camisa ficou meio laranja. Sem condições aquilo...  Em que pese todo o meu respeito pelo saudoso ex-presidente Edmar Gonçalves, a camisa daquele ano em que ele esteve à frente do clube foi um tiro que errou o alvo.  Com o objetivo de dar um ar mais moderno ao clube, ele pediu para redesenhar o tradicional símbolo do América.  O resultado ficou muito ruim.  Valeu a tentativa, de qualquer maneira.  

CIDADE CLUBE: Para encerrar a entrevista: vale a pena ainda torcer pelo América?

EVANDRO: Olha... futebol não é ciência exata.  Não é igual você ir a um restaurante, ser mal servido e decidir nunca mais voltar.  No futebol, tem muita paixão envolvida.  Entendo perfeitamente quem abandonou o América nesses últimos anos. Ninguém aguenta tantos dissabores, tanta gente incompetente na direção do clube, tantas más notícias.  Mas o torcedor apaixonado está ali, hibernado no âmago de cada pessoa.  O que o América precisa é de um sopro de competência minúsculo para ele retomar sua bela história.  O problema é que a incompetência, infelizmente, está enraizada fortemente dentro da área legislativa e executiva do clube.  Aí, complica demais.  O que me move é a esperança.  Eu conheço a história de vários clubes que estavam nesse estado de penúria do América de hoje e deram a volta por cima.  Vou dar só três exemplos: Botafogo de Ribeirão Preto, Ferroviária e São Bento de Sorocaba.  Mas há muitos mais.  É isso que me motiva ainda.  Pouco, mas motiva.  Isso e as vitórias do América, mesmo estando na quarta divisão do campeonato paulista.  Porque, para mim, gol do América, é gol do América!  Pode ser contra o União de Mogi, pode ser contra o Corínthians.  A adrenalina é a mesma.  Portanto, ainda vale a pena, sim!  

 

Entrevista conduzida por Welsey Campofredo (Cidade Clube), em maio de 2018.

 
Autor: Wesley Campofredo
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