Um dos melhores zagueiros da história do América, Jair da Rosa dos Passos não amaciava e sempre “baixava a madeira”. “Meu negócio era bumba meu boi. Batia de bico de primeira e chegava rasgando em todas as jogadas”, admite. O nome é uma homenagem ao lendário Jair Rosa Pinto, habilidoso meia, ídolo do Flamengo, Palmeiras e Santos entre os anos de 1940 e 1950.
Suas pancadas doíam e ficaram conhecidas. Passou a ser temido pelos adversários, principalmente por atacantes dos chamados times grandes. Para tentar escapar das botinadas, os oponentes tiveram uma ideia infalível. Começaram a elogiar o becão, dizendo que ele tinha condição de jogar em qualquer equipe. “O primeiro a fazer isso foi o Pelé”, recorda Jair.
Tarde de domingo, dia 5 de agosto de 1973, sol a pino e mais de 22 mil pessoas no estádio Mário Alves Mendonça, em Rio Preto, para assistirem o duelo entre América e Santos. Para não perder o costume, Jairzão começou a mostrar a sola da chuteira pra quem aparecesse em sua frente. Incomodado com a situação, Pelé encostou no xerifão e disse: “Poxa, Jair! Vai mais devagar aí. O Santos tá precisando de zagueiro e eu posso te indicar.” O becão engoliu a conversa e “guardou a sua caixa de ferramentas.”
Na segunda etapa, Jairzão foi sair jogando, Pelé apareceu de surpresa, roubou-lhe a bola e deu assistência para Euzébio marcar o gol da vitória do Santos por 1 a 0. A torcida americana ficou louca. “Levei a maior bronca dos companheiros”, recorda. O tempo passou, mas a lição não serviu de aprendizado. Emprestado pelo América ao Guarani, o zagueirão reencontrou o Santos de Pelé no domingo, dia 3 de fevereiro de 1974, no Pacaembu, em São Paulo, pelo Brasileirão. “O negrão (Pelé) veio com a mesma conversinha fiada e eu caí na dele de novo”, brinca. “Pensei: vou mostrar que também sei jogar.”
Jairzão fugiu das suas características, quis dar uma de habilidoso e se deu mal. “Fui dominar uma bola no peito, ela espirrou e caiu no pé do negrão. Ele arrancou do meio campo e soltou um canudo que o João Marcos (goleiro do Guarani) nem viu”, contou. No segundo tempo, Nenê fechou o placar em 2 a 0 para o Peixe. O xerifão está esperando até hoje os convites do Santos. “Não ganhei nem a camisa do negrão (Pelé).” De acordo com Jairzão, Cláudio Adão e Serginho Chulapa também teriam feito “propostas indecentes” a ele.
Indicado por Milton, veio do Flamengo
Indicado pelo centroavante Milton Silvério Carlos, comprado pelo América junto ao Flamengo, Jairzão também veio para o time rio-pretense depois de atuar no rubro-negro carioca. “O Zagallo assumiu o Flamengo para substituir o Yustrich e disse que ia me aproveitar, mas eu preferi vir para o América”, destaca. “Meu tio Tenente (ex-lateral do São Paulo) sempre falava bem do futebol paulista, por isso decidi jogar aqui.”
Com atuação ruim, estreou na vitória de 3 a 1 sobre a Votuporanguense em amistoso no Mário Alves Mendonça, na quarta-feira, dia 23 de fevereiro de 1972. Os dois primeiros jogos oficiais dele foram nas derrotas para o Santos (1 a 0, dia 8/3, na Vila Belmiro) e para o Palmeiras (2 a 0, em 12/3, no MAM). Jairzão permaneceu no Rubro até 1977, com saídas por empréstimo para o Guarani, em 1973/74, e para o Botafogo de Ribeirão Preto, em 1976. “Cansado de apanhar de mim em campo, o Sócrates pediu a minha contratação”, diz, em tom de brincadeira.
No segundo semestre de 1977, o Barretos levou Jair emprestado. “Vieram com uma mala cheia de dinheiro. O time era muito bom, tinha o Vilson Tadei, Bispo, Tim e outros”, relembra. Retornou ao América no início da temporada seguinte, mas não estava nos planos do técnico gaúcho Chiquinho Silva Neto. Então, acertou com o Nacional de São Paulo. Defendeu o Itabuna-BA em 1979 e em 1980 transferiu-se para a Votuporanguense. “Estava com hérnia de disco, perdemos um clássico para o Fernandópolis e mandaram meio time embora”, afirma.
América 2 X 1 Corinthians - 8 de julho de 1973
Ficha técnica:
América
Nonô; Paulinho, Dobreu, Jairzão e Geraldo Galvão; Jean e Didi; Zuza, Turcão, Iaúca e Mazinho. Técnico: Wilson Francisco Alves, o Capão.
Corinthians
Ado; Ademir, Vágner, Luis Carlos e Eberval; Tião e Adãozinho (Ivan); Vaguinho, Nelson Lopes, Mirandinha e Marco Antônio. Técnico: Yustrich.
Gols: Nelson Lopes aos 45 segundos e Mazinho aos 11 minutos do 1º tempo. Zuza aos 22 minutos do 2º tempo. Árbitro: José Faville Neto. Renda: Cr$ 123.314,00. Público: 11.098 pagantes. Local: estádio Mário Alves Mendonça, em Rio Preto, no domingo, 8 de julho de 1973, pelo Paulistão, na 1ª vitória do América com Jairzão sobre um time grande.
Iniciou a carreira em Criciúma
Nascido em Criciúma, no dia 15 de março de 1947, Jairzão começou a carreira futebolística no Atlético de Criciúma e aos 17 anos foi vendido ao Olímpico de Blumenau. Em 1971, emissários do Flamengo foram a Santa Catarina acompanhar o desempenho do zagueiro Nelson, do Olímpico, e gostaram de Jair. “Fiquei 60 dias em testes no Flamengo até ser aprovado pelo técnico Yustrich”, diz.
No meio de tantas feras, como Ubirajara, Fio Maravilha, Doval, Luisinho, Murilo, Tinteiro e outros, ele teve poucas oportunidades no rubro-negro do Rio de Janeiro. “Joguei contra Madureira, Bonsucesso e Olaria, pelo Campeonato Carioca, e em mais três amistosos, inclusive na vitória de 1 a 0 sobre o Inter, em Porto Alegre”, informa.
Treinou 11 equipes e hoje luta contra um câncer de garganta
Após sua passagem pela Votuporanguense, aos 33 anos Jairzão resolveu pendurar as chuteiras. Recomendado por Fifi, ex-centroavante da Votuporanguense, Atlético-MG e Botafogo-RJ, Jairzão iniciou a carreira de treinador no Santa Fé. “O time tinha pouca estrutura, mas levei alguns garotos de Rio Preto - Ademir Cáceres, Carlinhos Neves, Pedrinho, Gilmar, Cerezo, Buzo - e fizemos uma boa campanha”, informa.
Assumiu o cargo de supervisor do América em 1982. Também comandou Fernandópolis, Jalesense, Bandeirante de Birigui, Dracena, Barretos, Linense e ASA de Arapiraca. “Treinei o Rio Preto por 40 dias em 1983”, destaca. Trabalhou ainda nos sul-matogrossenses Cassilandense e Chapadão do Sul.
Aposentado há cinco anos, Jair prestava serviços à Apae de Rio Preto até descobrir um câncer de garganta em abril passado. Casado com Genoveva Del’Arco, o ex-beque é pai de Leandro, Luana, Nadijanara e Alexandre (que morreu em 2008, vítima de câncer no intestino). Avô de Letícia, Rebeca, Laraiane e Ariela, ele mora no jardim Maria Lúcia, em Rio Preto. O câncer no intestino também provocou a morte da sua primeira mulher, Maria Inês, em 2004.