Bacurau era sinônimo de alegria, versatilidade, espetáculo, criatividade, dribles, grandes jogadas e de gols. Um artista inesquecível que encantava a plateia nos estádios e no circo. Um verdadeiro “show man”, que conciliava seu tempo entre os campos de futebol e o picadeiro. É apontado por muitos como um dos melhores jogadores do Rio Preto em todos os tempos. Também defendeu o América, São Paulo, Monterrey, do México, e Batatais.
Nascido no dia 28 de maio de 1937 na pequena cidade de Marapoama, na região de Catanduva e a 76 quilômetros de Rio Preto, Bacurau tinha um dom artístico inconfundível. Batizado como Charlei Santiago, ganhou o apelido ainda criança, quando começou dar suas primeiras apresentações no Circo Alhambra, de seus pais, Reolindo e Josita.
Laila, sua irmã primogênita e que hoje mora em Barretos, conta que seuspais sempre foram circenses e um dia resolveram abrir o próprio negócio. “Eles sofriam muito como funcionários, então, decidiram montar o circo deles, de pau-a-pique”, informa. Entre outros personagens, seo Reolindo fazia o palhaço Periquito.
O casal teve cinco filhos - Laila, Charlei, Roberto, Sirlei e Vanderlei - e a medida que a criançada crescia já começava a trabalhar no circo. “Começávamos com deslocação (contorcionistas) e com o passar dos anos fazíamos de tudo um pouco”, recorda Laila. Aos 5 anos de idade, Charlei já interpretava o palhacinho Bacurau. Depois, também foi trapezista, ator, saltador e nos intervalos, assim como os irmãos, também faturava um extra, vendendo pipoca, doces e outros quitutes.
O futebol surgiu naturalmente na vida de Bacurau. Dirigentes do América o viram participando de uma pelada com amigos e o convidaram para treinar na Vila Santa Cruz. Aprovado nos testes, integrou o time amador do Vermelhinho, como meia-esquerda, entre os anos de 1955 e 1956. Como não tinha oportunidade na equipe principal, deixou o Rubro e passou a se dedicar ao circo da família. Até que Ulisses Jamil Cury, presidente do Rio Preto, o levou para o “Fortim da Vila Redentora”, o estádio Victor Brito Bastos. Suas primeiras aparições com a camisa esmeraldina datam de 1957. Participou de vários derbys contra o América.
Irreverente, dava um show à parte, com dribles desconcertantes, bom posicionamento na área e uma impulsão incrível. “Quando cruzavam a bola na área, a torcida gritava gol antes mesmo de ele cabecear”, relembra a irmã Laila. “E ele comemorava os gols virando piruletas, como no circo.”
Com o passar do tempo, dedicou-se só ao futebol e deixou o circo de lado. Tornou-se ídolo da torcida e fez parte de um dos melhores esquadrões do Rio Preto, que contava com Paulinho; Loca e Pádua, Brandão, Valter e China; Belmiro de Freitas (Alencar), Nilsinho, Brotero, Bacurau e Benny Guagliardi. Esta equipe fez uma campanha sensacional na Segunda Divisão de 1958.
A fase decisiva da competição foi disputada no começo do ano seguinte. O contrato de Bacurau havia terminado e a direção alviverde apressou-se em prorrogá-lo. Em 9 de fevereiro de 1959, o Diário da Tarde publicou que o jogador teve o vínculo renovado por 100 mil Cruzeiros de luvas e 12 mil Cruzeiros de salários mensais.
Com atuações marcantes e gols, muitos deles de cabeça, Bacurau passou a chamar a atenção de outros clubes. Disputou um jogo pelo Botafogo, de Ribeirão Preto, em abril de 1959. A diretoria do Verdão havia estipulado o passe dele em 600 mil Cruzeiros. Porém, ele não foi bem na partida e o Botafogo desistiu do negócio. “O Charlei não se importava com dinheiro. Ele jogava futebol por amor”, diz Laila.
Jogou no México e no São Paulo
No final de 1959, após brilhar no RioPreto, Bacurau teve a grande oportunidade de sua vida ao ser negociado com o São Paulo. A família Fleury tinha muita amizade com Manoel Paes de Almeida, diretor são-paulino, e com o técnico Vicente Feola. Eles já haviam encaminhado outros destaques da região para o clube do Morumbi, como os armadores Celsinho e Bazaninho e os atacantes Juraci Perobin e Amaury Marreco.
Olavo Fleury, sócio do Tricolor, comprou o passe de Bacurau, pagando 300 mil Cruzeiros ao Rio Preto, e o repassou ao São Paulo. “Era um jogador muito técnico e que merecia estar num time grande”, diz o advogado José Theóphilo Fleury Netto.
No São Paulo, Bacurau foi comandado pelos treinadores Feola e Remo. No entanto, a concorrência era enorme e o promissor meio-campista teve poucas oportunidades. Em quase um ano de clube, marcou quatro gols em 18 jogos disputados. Foram seis vitórias, seis empates e seis derrotas.
O professor Eduardo Nicolau, torcedor e ex-diretor do Rio Preto, diz que Bacurau fez dois gols na estreia pelo Tricolor. “O São Paulo ganhou de 4 a 2 do Guarani, numa quarta-feira à noite. Mas depois, o Bacurau caiu de produção”, comenta. Em 1961, Bacurau foi emprestado ao Batatais, junto com Bazaninho e Mairiporã. No Fantasma da Mogiana manteve a qualidade de suas exibições, inclusive na vitória de 1 a 0 sobre o América, no estádio Mário Alves Mendonça, em Rio Preto, num jogo amistoso.
No final de agosto de 1961, quando disputava a Primeira Divisão (atual Série A-2) pelo Batatais, ele acabou vendido ao Monterrey, do México. Bacurau assinou contrato para receber 100 mil Cruzeiros de salários mensais, além de 300 mil Cruzeiros de luvas.
Ficou dois anos no futebol mexicano. “Parte do que ele ganhava, mandava para a família”, diz Eduardo Nicolau. Voltou ao Brasil após um desentendimento com o treinador da equipe. “Ele se irritou porque o rapaz o chamou de palhaço. O Charlei entendeu como uma ofensa e deu uma cabeçada no treinador, que rolou uma escadaria abaixo”, relata a irmã Laila.
Bacurau decidiu pendurar a chuteira e retomar sua carreira circense, divertindo a garotada. “Um dos pontos preferidos do circo era na esquina das ruas Fritz Jacob e Pedro Amaral, na Boa Vista”, informa o ex-jogador Belmiro de Freitas, companheiro de Rio Preto.
O Circo Alhambra encerrou suas atividades, Bacurau morou sozinho no bairro Solo Sagrado, em Rio Preto, até 2003, quando adoeceu. Nos últimos seis anos de sua vida, sofreu como Mal de Alzheimer. “Uma pneumonia dupla agravou a doença”, diz Laila. Bacurau morreu no dia 18 de agosto de 2009, aos 72 anos. Seu corpo está enterrado no cemitério de Barretos. “Coloquei na sepultura uma foto dele com a camisa do Rio Preto”, acrescenta a irmã.