Conhecido por sua velocidade e pela raça, Mirandinha foi uma das maiores revelações do América de Rio Preto em todos os tempos. Uma pedra preciosa descoberta na várzea, que encantou a nação rubra e, pouco tempo depois, foi vendido ao Corinthians, estabilizando as finanças do clube em 1970. Foi o único jogador da história projetado pelo Vermelhinho que defendeu o Brasil numa Copa do Mundo.
Por isso, o Flash Bola vai contar sua história em duas partes. A primeira, hoje, relembrando seu surgimento no futebol amador e os jogos pelo América. E a segunda, na próxima semana, com as passagens dele por Corinthians, São Paulo, Seleção Brasileira e outros clubes.
Nascido em Bebedouro, no dia 26 de fevereiro de 1952, Sebastião Miranda da Silva Filho puxou para o pai, o velho Miranda, centroavante do América, Rio Preto e outras agremiações nas décadas de 1940 e 1950 e que depois foi treinador de times da região.
Ainda criança, Mirandinha mudou-se com os pais para Rio Preto. “Na época, meu pai jogava no América”, informa. Acompanhava os treinos e jogos do pai e estava sempre com uma bola debaixo do braço. Mostrou qualidades atuando no golFoi aí que João de Cayres o levou para jogar pelo Grémio do bairro Boa Vista.
Mirandinha tinha muita elasticidade e começou a se destacar. Porém, num belo dia, seu pai foi ao treino do Greminho e informou que não queria mais vê-lo no gol e sim como centroavante. Caso contrário iria proibi-lo de jogar. Ordens expressas cumpridas pela direção do clube. Com a camisa 9, Mirandinha arrebentou. Balançava as redes em quase todas as partidas. “Nunca mais quis saber de jogar no gol. Só queria dar boladas nos goleiros e fazer gols”, brinca.
Estreou contra o Uberlândia
A fama de Mirandinha na várzea se alastrou até que dirigentes do América convenceram João de Cayres a liberá-lo para o clube da Vila Santa Cruz. Ele começou a treinar no Rubro na segunda-feira, dia 16 de setembro de 1968, aos 16 anos de idade. Garotão e cheio de saúde, a velocidade e a raça eram suas principais características. Não tinha bola perdida.
Treinava entre os profissionais e jogava nos aspirantes. Estreou por acaso num amistoso contra o Uberlândia, disputado na sexta-feira, 4 de outubro de 1968, na comemoração do aniversário da cidade de Frutal. O América recebeu uma cota de NCr$ 3 mil. “O Cabinho (titular da posição) estava com hepatite e o Capão (treinador Wilson Francisco Alves) não hesitou em me colocar no time”, informa.
O América perdeu pelo placar de 2 a 1. O armador Pio fez para a equipe rio-pretense, mas Hamilton marcou dois e virou o placar para os mineiros. Capão escalou o Vermelhinho com Reis; Manoel, John Paul, Geraldo e Patini 2º; Patini 1º e Jorginho; Dico (Alencar), Pio, Mirandinha (Tutu) e Marco Aurélio. Mirandinha e Marco Aurélio, segundo os jornais da época, foram os destaques americanos.
O Uberlândia formou com Gutemberg; Dunga, Neiribelto, Paulo e Jorge; Carlinhos e Santana (Gilberto); Quim, Hamilton, Edgar Maia (Aderbal) e Fazendeiro. O árbitro José Pereira expulsou Carlinhos, do Uberlândia. O público de 1.590 torcedores proporcionou a renda de NCr$ 6.430,00.
Foi o ponto de partida para ele se firmar na equipe. Em seguida, Mirandinha participou de mais dois amistosos, no empate de 1 a 1 com a Prudentina, em Presidente Prudente, e na derrota de 1 a 0 para o Oeste, em Itápolis. Marcou seus primeiros gols no quarto jogo, no triunfo de 2 a 0 sobre o São Bento de Sorocaba, de Bazaninho e companhia, também em amistoso, no dia 23 de outubro de 1968. “Guardem este nome: Mirandinha”, estampou o Diário da Região ao publicar o resultado do confronto.
Na seleção paulista
Mirandinha passou a ser respeitado e sua consagração veio no empate de 1 a 1 com o Corinthians, dia 9 de março de 1969, no estádio Mário Alves Mendonça, pelo Paulistão. O Timão vencia por 1 a 0, gol do atacante Paulo Borges. Mirandinha estava na reserva e entrou no lugar do ponta-direita Kaneko. Endiabrado, aprontou uma correria tremenda em cima dos defensores do Alvinegro, em especial do zagueiro-central Ditão. Empatou a partida, aos 33 minutos do segundo tempo. Daí em diante, despertou interesse dos grandes clubes, inclusive, do próprio Corinthians.
No início de 1970, após três derrotas e um gol pelo América no Paulistinha, Mirandinha foi convocado para defender a seleção paulista no Campeonato Brasileiro de Juvenis, em Santo André. A equipe passou ilesa pela fase inicial e ganhou de Paraná e Minas Gerais no quadrangular decisivo.
Na última rodada, dia 1º de março, garantiu o título ao empatar sem gols com a Guanabara (atual Rio de Janeiro), terminando com cinco pontos. Guanabara e Minas Gerais ficaram com três cada e Paraná apenas um. Na final, o time bandeirante alinhou com: Colella; Marco Antonio, Izaltino, Ari e Luis Carlos; Flamarion e Nenê; Lindoia (Vicente), Picolé, Mirandinha e Fito.
Empolgado pela conquista, Mirandinha voltou ao América com fome de bola no Paulistinha e desequilibrou na vitória de 3 a 1 sobre a então líder Ferroviária, em Araraquara. Fez os três gols diante da equipe de Bazani na quinta-feira, 5 de março. Marcou um golaço nos 2 a 0 contra a Santista e outro no empate de 1 a 1 com o Botafogo. Também deixou sua marca na derrota por 3 a 1 para o Paulista, em Jundiaí.
Recheou o cofre do Rubro
Por indicação do técnico João Avelino, que estava na Portuguesa, o América começou a negociar Mirandinha com a Lusa em 1970. A direção americana fixou o passe do avante em NCr$ 180 mil e aguardou contraproposta lusitana. O Juventus também estava interessado. Dias antes, a diretoria havia recusado oferta de empréstimo feita pelo Catanduvense por Mirandinha, Marco Ortolan e John Paul. No entanto, o Corinthians entrou na parada em 1º de julho de 1970. Aluizio Cherubini, president Americano, pediu NCr$ 120 mil a Leonardo Monaco, diretor do Alvinegro. Por NCr$ 100 mil, a transação foi concluída no dia 6 de julho.
O Alvinegro deu um cheque de NCr$ 30 mil para 6 de setembro e mais dez prestações mensais de NCr$ 7 mil. O América pagou os 15% do jogador em dez vezes mensais de NCr$ 1,5 mil cada. Mirandinha viajou com o pai, Miranda, para São Paulo, assinou contrato para receber NCr$ 20 mil de luvas e NCr$ 800 mensais, mais moradia e alimentação custeadas pelo clube. Como complemento, o América embolsou mais NCr$ 3 mil da renda líquida do amistoso contra o Timão (0 a 0) no dia 8 de agosto no estádio Mário Alves Mendonça, na estreia de Mirandinha na equipe de Parque São Jorge.
Foi a salvação do América, que na época promovia festival do chope e até passeatas com venda de flâmulas e livros de ouro para arrecadar dinheiro. Os problemas financeiros se avolumavam e a venda de Mirandinha deu sobrevida ao Rubro. Com o dinheiro, a diretória sanou dívidas antigas e com as dez parcelas mensais pagava metade da folha de pagamento, que era de R$ 14 mil.
No geral, Mirandinha fez 24 gols nos 66 jogos que disputou pelo América, com média de um gol a cada 2,75 partidas. Foram 23 vitórias, 16 empates e 27 derrotas, com 70 gols do Vermelhinho e 81 dos adversários. Depois, o centrovante também brilhou no Corinthians. Mas esta é uma história que vamos contar no próximo domingo.