Sebastião Clemente da Silva Filho, o Tião Kelé, foi um centroavante rompedor, raçudo e velocista, que ajudou o América a ficar em 8º lugar entre os 14 participantes do Paulistão de 1969. Ele chegou ao Rubro para um período de testes, indicado por dirigentes, após passagens por clubes do Paraná e de MinasGerais, e tornou-se o talismã da equipe naquela temporada. “Me viram (cartolas) jogar pelo América de Monte Santo, em São Sebastião do Paraíso, pela Segunda Divisão de Minas”, informa.
O América vinha de derrota por 3 a 0 para a Portuguesa Santista, em Santos. Tião Kelé treinou bem durante a semana, foi registrado às pressas pelo secretário do América, Altair de Araújo Nantes, e ficou à disposição do técnico Wilson Francisco Alves. Na mesma semana, o lateral Severo também foi contratado. Logo na estreia, domingo, dia 20 de abril de 1969, no estádio Mário Alves Mendonça, Kelé deixou seu cartão de visitas ao entrar no decorrer do jogo contra o Palmeiras e marcar o gol da vitória, aos 30 minutos da etapa final. O duelo se arrastou no primeiro tempo. Como o ataque americano não funcionava, no intervalo, Capão não teve dúvidas e colocou em campo o desconhecido centroavante no lugar de Mirandinha, figura apagada na partida. O novato queria mesmo se consagrar. Aos 25 minutos, teve ótima oportunidade.
Logo depois, lançado por Raul, dominou com categoria, livrou-se de dois zagueiros e foi derrubado na meia-lua da grande área pelo goleiro Chicão. A torcida pediu pênalti, mas o árbitro José Faville Neto marcou falta. A cobrança de Cabinho carimbou a barreira e sobrou para Tião Kelé ajeitar e mandar a sapatada de perna esquerda para fazer o tento do triunfo americano pela contagem mínima. Saiu do gramado como herói.
No domingo seguinte, a parada era contra o Santos de Pelé e companhia, novamente no Mário Alves Mendonça. Com apetite, no primeiro coletivo da semana, Tião Kelé marcou três gols pelo time reserva. Mesmo com excelente desempenho nos treinos, ele ficou na reserva.
Naquele domingo de manhã, Pelé, a convite de João Baffi, visitou a Associação Riopretense Pró-Menor (Arprom). À tarde,o “Caldeirão do Diabo” estava fervendo. Saía gente pelo ladrão para ver o Rei Pelé. O jogo foi monótono no primeiro tempo e esquentou no segundo. Aos 19 minutos, Pelé recebeu cruzamento de Rildo, dominou e tocou rasteiro no canto direito de Raul Marcel para abrir o placar.
Logo em seguida, Capão colocou seu talismã no posto de Mirandinha. Aos 31 minutos, Tião Kelé tabelou com Cabinho, infiltrou-se entre os zagueiros, driblou o goleiro Cláudio e empurrou para o fundo das redes, dando números finais ao espetáculo. Foi a glória. Surgiu um novo ídolo da torcida americana.
O América só voltou a jogar pelo Paulistão na quinta-feira, dia 12 de maio, contra a Portuguesa, no estádio Palestra Itália. Dessa vez não teve jeito. Capão acabou escalando Tião Kelé desde o início do confronto. Ele e todo time foram mal e o Rubro perdeu por 2 a 0, gols de Basílio e Marinho. Novo vexame no duelo seguinte. Com Kelé jogando os 90 minutos, o Vermelhinho apanhou de 4 a 0 do Guarani, em casa.
Após dois jogos em branco, o “matador” perdeu o lugar no time e foi para a reserva contra o São Paulo, no sábado, 24 demaio. O Tricolor abriu o placar com Babá. Mirandinha empatou. Tião Kelé entrou na etapa final, substituindo o ponta-esquerda Marco Aurélio e arrebentou com a partida. Deu o passe para Cabinho virar o marcador e ele ampliou para 3 a 1, aniquilando com a retaguarda são-paulina.
Na rodada seguinte, o Rubro levou 5 a 1 do Corinthians, no Parque São Jorge. Tião Kelé ficou no Rubro até o final da temporada. Na maioria dos jogos ficava na reserva e quando era acionado, geralmente, deixava sua marca de artilheiro.
Atuou no Chile e na Venezuela
Sebastião Clemente da Silva Filho nasceu em Franca, no dia 20 de janeiro de 1948, e com um ano de idade mudou-se para o bairro doTucuruvi, em São Paulo. Começou a jogar futebol por influência do irmão mais velho, Osvaldo Canhão, que depois ficou conhecido como Jandaia, por ter jogado na cidade de Jandaia do Sul, no Paraná. “Com 17 anos de idade, saí de casa e fui atrás dele”, diz Tião Kelé.
Passou frio e fome com a finalidade de tentar vencer no futebol. Defendeu o amador de São Pedro do Avaí, município vizinho a Jandaia do Sul. “Diretores do Paranavaí me viram jogando e me contrataram”, lembra. Primeiro marcou 12 gols pela equipe amadora. Depois foi para Campo Mourão-PR.
Também atuou no América de Monte Santo, na Segundona de Minas Gerais, quando foi descoberto por cartolas do América de Rio Preto ao fazer cinco gols numa partida em São Sebastião do Paraíso. A direção americana trouxe Tião Kelé e o irmão dele Fefeu, que jogava como ponta-direita. Aprovados em testes, os dois foram contratados, mas Tião Kelé teve mais oportunidades do que Fefeu.
Após a passagem pelo América, o centroavante voltou ao Paraná, onde jogou no Operário de Ponta Grossa e, posteriormente, no Guarani, da mesma cidade. O time surgiu de uma fusão do Operário como Pontagrossense.
Com mais alguns gols no currículo, ele chamou a atenção do Grêmio de Porto Alegre. Ficou seis meses na equipe gaúcha em 1971, ano em que se casou com Nancy Chaddad, de Rio Preto. Foi vice-campeão gaúcho e no segundo semestre de 1971, teve o passe comprado pelo Atlético-PR, também conquistando o vice-campeonato estadual de 1972.
Jogou ainda no Goiás, com Xisté, Lincoln e outras feras, e no Ceub de Brasília, na época integrante da elite do Campeonato Brasileiro. Passou pelo São Bento de Sorocaba e Saad de São Caetano do Sul até ser negociado com o Galícia, da Venezuela. “Fui campeão venezuelano de 1974 pelo Galícia e disputei a Libertadores do ano seguinte”, relata.
Tião Kelé fez mais alguns gols pelo Santiago Money, Cobreloa e Unión San Felipe, todos do Chile. Encerrou a carreira no Island deMargarita, da Venezuela, em 1986, aos 38 anos de idade. “Ganhei muito dinheiro com o futebol e joguei tudo fora.” Desquitou-se de Nancy em 30 de janeiro de 1978.
Hoje, mora no bairro do Tucuruvi, em São Paulo, e, infelizmente, passa por dificuldades financeiras. “Eu fazia churrasquinho na rua, mas fiscais da prefeitura levaram minhas barracas”, diz. “Preciso de uma grana para montar outra barraca e voltar a trabalhar”, acrescenta. Pai de Cristiano (do casamento com Nancy), teve mais três filhos (Joana, Jennifer e Jonatan).