América Futebol Clube

Os pontas foram bastante utilizados e eram imprescindíveis nos esquemas táticos até a década de 1980. Treinadores escalavam quatro ou até cinco atacantes, nas disposições 4-2-4 e 2-3-5, esta última também chamada de WM, era adotada por praticamente todas as agremiações até o início dos anos 1960. Geralmente velozes e nem sempre habilidosos, os ponteiros jogavam bem abertos e tinham a responsabilidade de puxar os contragolpes. Chegavam à linha de fundo e cruzavam para os centroavantes. Gazze Ismael foi um ponta-esquerda lépido e atrevido que jogou na várzea de Rio Preto, no América, Barretos, Olímpia, Botafogo de Ribeirão Preto e teve uma curta passagem pelo Rio Preto. Nascido em Onda Verde no dia 11 de março de 1940, veio morar em Rio Preto aos 10 anos de idade. O nome incomum foi colocado pelo pai, o árabe Ismael Aidar, dono da padaria Pão Gostoso, na rua Tiradentes, no Centro.  Começou a mostrar seu talento nos campinhos de chão batido espalhados por Rio Preto na década de 1950. Não demorou e foi chamado para defender a equipe do Asas, dos diretores Álvaro Casanova Dutra e Paulo Auriema. A equipe disputava jogos amistosos em cidades da região e integrava o Varzeano. Jogou com Fogueira, Zanca, o goleiro Neyton e outros.

Em 1957 recebeu convite de cartolas do América para integrar o time amador. Depois de algumas partidas pelos aspirantes foi promovido ao profissional pelo técnico João Avelino. Participava de coletivos e chegou a ficar na reserva em alguns jogos. Entre as boas atuações, uma ocorreu no derby diante do Rio Preto, no dia 20 de junho de 1957, pelo Torneio da Fraternidade, que também reuniu Catanduva e Jaboticabal. Com apenas 17 anos, ele fez Nodir, seu marcador, comer poeira no velho estádio Victor Brito Bastos, o Fortim da Vila. O América venceu por 2 a 1, com gols de Colada e Português. O centroavante e artista circense Bacurau marcou para o Verdão. O Vermelhinho foi campeão do quadrangular, sem nenhum ponto perdido. O Catanduva teve dois, Jaboticabal, quatro, e o Rio Preto terminou na lanterna, com seis pontos perdidos. Gazze foi reserva de Orias na conquista do título da Primeira Divisão (atual Série A-2) de 1957, quando o Rubro subiu pela primeira vez para a elite do futebol estadual. Apesar das boas exibições, Gazze não se firmava. Orias não dava brecha na posição. Ficou sem ambiente no clube após uma áspera discussão com o diretor Benedito Teixeira, o Birigui. Benedito Sartori, ex-jogador do São Paulo e treinador do Olímpia, tomou conhecimento do atrito e levou o ponteiro para o Galo Azul, onde brilhou ao lado de Berguinho, Serrano, Rubinho e outros.

Gols no Verdão e surra na Vila

Após duas temporadas no Olímpia, Gazze foi contratado pelo Botafogo de Ribeirão Preto, uma das potências do Interior. O treinador Zezé Procópio lhe deu a maior moral. Desinibiu-se rapidamente, tornou-se titular e contribuiu para a Pantera da Mogiana terminar o Paulistão de 1964 em 10º lugar entre os 16 participantes. Quatro jogos foram marcantes para Gazze durante aquela campanha. Três deles ocorreram no mês de outubro. No dia 7, o épico empate de 4 a 4 com o Palmeiras, no velho estádio Luís Pereira, em Ribeirão Preto. “Nem sabia que eu iria jogar”, recorda. “Após o último treino, o Oswaldo Brandão (que havia assumido em substituição a Zezé Procópio) colocou na lousa os nomes dos jogadores que atuariam e o meu não estava”, informa. Na quarta-feira, dia do jogo, após o almoço, já na concentração, veio a surpresa. Brandão se aproximou e disse: “Garoto, você vai jogar.” Gazze levou um susto. “Sabia que não jogaria e até tomei uma cerveja Niger no almoço”, confessa. “Fiquei pensando: pôxa vida, o Djalma Santos me marcando...” Gazze não tomou conhecimento do bicampeão mundial com a Seleção Brasileira nas Copas de 1958 e 1962. Marcou dois gols e saiu de campo aplaudido pela torcida panterina. “Eu fiz 4 a 3, mas o Armando Marques (árbitro) deu um pênalti inexistente para o Palmeiras no fim do jogo. O Ademar Pantera cobrou e empatou”, destaca.

No domingo seguinte, dia 11, o Botafogo goleou a Esportiva de Guaratinguetá por impiedosos 7 a 1, com desempenho acima da média do rápido ponteiro-esquerdo. Outro duelo memorável dele pelo tricolor ribeirão-pretano foi no empate de 1 a 1 com o Corinthians, em casa, no dia 18. Mas o que ficou marcado para sempre em sua carreira foi a humilhação que o Botafogo passou na Vila Belmiro, ao levar uma surra de 11 a 0 para o Santos. O histórico episódio ocorreu no dia 21 de novembro, quando faltavam quatro rodadas para encerramento do segundo turno do Paulistão. “Tínhamos vencido o Santos por 1 a 0, em casa”, relembra. “Quando chegamos na Vila ficamos sabendo que o Pelé ainda estava mordido com aquela derrota.” Pelé foi à forra e fez oito gols. “E o ‘Negrão’ tava engasgado, mesmo. Ele marcava e ia buscar a bola no fundo das redes para a gente soltar rapidinho”, descreve.

Gazze permaneceu no Botafogo até 1965 e depois teve uma curta passagem pelo Rio Preto, contratado pelo presidente Ulisses Jamil Cury. Atuou mais dois anos no Barretos. Danilo Alvim, jogador da Seleção Brasileira na Copa de 1950 e técnico do Uberlândia, queria levá-lo para o clube do Triângulo Mineiro, mas Paulo Monteiro, diretor do Barretos, não quis liberá-lo. “Desanimei e decidi parar.” Voltou para Rio Preto, trabalhava no bar do pai, na rua Bernardino de Campos, e rachava com amigos no Monte Líbano. Foi tomar conta da transportadora do sogro na Barra Funda, em São Paulo, e em Goiânia. Aposentou-se há 15 anos e há 12 mora em Ribeirão Preto, com a mulher, Marilda, com quem é casado desde 1969. Tem três filhas e dois netos. Joga futebol até hoje na chácara do pai do zagueiro Bordon, revelado pelo São Paulo e que faz sucesso na Alemanha. Os ex-jogadores Eurico, Arlindo Fazolim, Carlucci, Maciel e Guina também participam deste racha.